Santo Amaro da Purificação: uma joia do Recôncavo Baiano

Santo Amaro da Purificação está localizada no Recôncavo Baiano, próxima da Baía de Todos os Santos e do Rio Paraguaçu, mas não às suas margens. Ficou famosa como a cidade de Dona Canô e seus filhos Caetano Veloso e Maria Bethânia, mas sua envergadura histórica a posiciona como um dos lastros da economia açucareira e da formação política, administrativa e econômica da Bahia colonial.

As ruas de Santo Amaro preservam grande riqueza arquitetônica, com casarões coloniais e igrejas seculares, além de uma cultura popular riquíssima, herança da miscigenação entre europeus, indígenas e africanos. 

Caminhar por Santo Amaro e visitar seus monumentos históricos é um passeio indescritível, bem como dialogar com seus habitantes ou presenciar as magníficas festas tradicionais. Um turismo de experiência fina, que encanta os que se propõem a realizá-lo!

Por Márcio Vasconcelos de O. Torres

Historiador e viajante - marciotorresbb@gmail.com

Um pouco da história de Santo Amaro da Purificação

A cidade de Santo Amaro da Purificação se desenvolveu às margens do Rio Traripe a partir de 1557, onde viveram os primeiros colonizadores portugueses, João Ferreira de Araújo e a família Dias Adorno. Pouco depois, os jesuítas também se fixaram à margem do mesmo rio e fundaram a Capela de N. S. do Rosário, hoje em ruínas e considerada como “marco zero” da cidade.

Seu solo de sedimentação cretácea é de massapê e por isso, de grande relevância para o plantio da cana-de-açúcar, que ocupou a região a partir do início da colonização portuguesa no séc. XVI.

Os caetés foram os primeiros povos a viverem na região, sendo sucedidos posteriormente pelos pitiguaras e carijós. Pouco antes da chegada dos portugueses, os tupinambás expulsaram todas as etnias “tapuias” (não falantes da língua tupi) e ocuparam a região. O início da invasão portuguesa se deu no mesmo período de São Francisco do Conde, da qual se desmembrou posteriormente. 

Santo Amaro era parte da sesmaria de Mem de Sá, que posteriormente foi doada por carta a Fernão Rodrigues Castello Branco em 25 de junho de 1559, com o objetivo que a mesma retornasse ao Terceiro Governador Geral do Brasil de maneira discreta.

Em 1563, Mem de Sá construiu o “Engenho Real de Sergipe” e quando faleceu em 1572, a sesmaria passou para seu filho Francisco de Sá, que morreu no mesmo ano. 

A sesmaria se torna, então, propriedade da única herdeira viva de Mem de Sá, sua filha Felipa de Sá, que por sua vez vendeu 400 braças das terras a Gonçalo Alves em 1602.

Algum tempo depois, Gonçalo as vendeu para os Beneditinos que, em 1667, edificaram a Capela de Santo Amaro. Felipa de Sá doou o Engenho do Conde ao Colégio de Santo Antão em Lisboa e nele os jesuítas construíram a Igreja de N. S. da Purificação. 

Em 1678, a Igreja de N. S. da Purificação ruiu, ocasionando a mudança da freguesia para a Capela do Rosário e posteriormente para a Capela de Santo Amaro. 

Em 1700, iniciou a construção da Igreja Matriz de N. S. da Purificação e alguns anos depois, a freguesia passou à condição de vila, compreendendo as freguesias de N. S. da Purificação, S. Domingos de Saubara, N. Sra. de Oliveira dos Campinhos, S. Pedro de Traripe e Rio Fundo, desmembradas do Município de S. Francisco do Conde. 

Desde o início da colonização, a economia de Santo Amaro esteve vinculada  à cultura de cana-de-açúcar, e em 1757, já possuía 61 engenhos em atividade. Outras culturas também se fortaleceram na região, como o fumo e a mandioca. 

O fumo era de grande relevância para a compra de escravizados na África, e da mandioca se fazia a farinha que abastecia o crescente mercado interno.

Santo Amaro foi importante nos movimentos emancipacionistas, como na Revolta dos Búzios, nas lutas pela Independência do Brasil e na Sabinada. Em 1837, a vila foi elevada à categoria de município, passando a se chamar Leal Cidade de Santo Amaro.

Bibliografia

AZEVEDO, Paulo Ormindo de. IPAC-BA - Inventário de proteção do acervo cultural: monumentos e sítios do Recôncavo, I parte. Salvador: Secretaria da Indústria e Comércio da Bahia, 1982.

BARICKMAN, B. J. Um contraponto baiano: açúcar, fumo, mandioca e escravidão no Recôncavo, 1780-1860. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.

PINHO, Wanderley. História de um engenho do Recôncavo. São Paulo: Nacional, 1982. (Original de 1946).

TAVARES, Luís Henrique Dias. História da Bahia. Salvador: Centro Editorial e Didático da UFBA, 1974.

VERGER, Pierre. Fluxo e Refluxo: Do tráfico de escravos entre o golfo do Benin e a Bahia de Todos-os-Santos do século XVII ao XIX. São Paulo: Companhia das Letras, 2021.

O que fazer em Santo Amaro da Purificação: 9 lugares para conhecer

Como se pôde observar no tópico anterior, Santo Amaro é uma cidade histórica que teve grande importância na formação da sociedade brasileira. 

Assim como outras relevantes cidades históricas do Recôncavo Baiano, respira cultura e arte em seu cotidiano, sem precisar de enfeites para se mostrar fabulosa. 

Conheça alguns monumentos e atividades culturais para conhecer por lá!

1. Ruínas da Capela de N. S. do Rosário

Logo na chegada da cidade, é possível observar uma placa que sinaliza as ruínas da Igreja N. S. do Rosário, datada de 1557 e considerada marco zero de Santo Amaro da Purificação. 

Sua dimensão física não condiz com a importância da sua presença, único monumento do séc. XVI ainda de pé em toda a cidade e sua zona rural.

Visitar a pequena e misteriosa capela de apenas um cômodo é um exercício de imaginação para qualquer historiador ou amante da História.

Em seu interior não há mais nada, apenas as paredes de pedra, a cúpula desgastada e duas pequenas janelas laterais, hoje utilizadas pelos cupins como casa.

Como fora o cotidiano dos seus primórdios? O contato inicial e as relações entre os jesuítas e os tupinambás que provavelmente a construíram? Com o uso da historiografia da região, podemos supor, mas apenas uma pesquisa profunda pode tentar resgatar um pouco do seu passado incógnito.

2. Igreja Matriz N. S. da Purificação

A construção da Igreja Matriz N. S. da Purificação iniciou no ano de 1706, para se tornar um edifício de elevado valor monumental.

Tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN, sua obra foi concluída no final do séc. XVIII.

De planta imponente e retangular, possui lindos forros com pintura ilusionista da nave e abóbadas, além de painéis figurados de azulejo, um rico acervo de imagens e alfaias. 

Sua capela-mor e altares são neoclássicos, o frontal, sacrário e o lampadário do altar foram elaborados em prata. Trata-se de uma das igrejas mais bonitas do Recôncavo Baiano.

3. Santa Casa de Misericórdia 

Edificada em 1778, a Santa Casa de Misericórdia foi um importante hospital na região, sob invocação de Nossa Senhora da Natividade.

Em 1962, foi tombada pelo IPHAN e ainda hoje funciona como hospital na cidade. 

Sua linda arquitetura em forma de casarão é impactante, bem como a presença ao lado da capela, que conserva as imagens de N. S. das Dores, Menino Jesus, Sra. Santana. S. Joaquim, Sra. da Conceição e Sr. do Bonfim, além de um precioso lampadário de prata.

4. Casa de Câmara e Cadeia

A bela Casa de Câmara e Cadeia de Santo Amaro da Purificação foi construída em meados do séc. XVIII, inspirada na arquitetura do Paço Municipal de Salvador.

Apresenta salões impressionantes no pavimento superior, com alizares de portas entalhadas que muito se assemelham aos requintados elementos das residências mais nobres de Salvador, como a casa do Conde dos Arcos.

Durante o período colonial e parte do imperial, a Casa de Câmara e Cadeia era onde funcionava a administração pública municipal, abrigando a Câmara Municipal e a cadeia.

Em geral, o edifício possuía dois andares, sendo o andar superior composto por várias salas e plenário, onde se reuniam os vereadores e onde funcionava o tribunal de justiça. O andar térreo era reservado para o funcionamento da cadeia.

5. Centro Histórico de Santo Amaro da Purificação

Além dos monumentos já citados, que estão situados no coração de Santo Amaro, suas ruas estão repletas de casarões coloniais. 

São sobrados e solares belíssimos onde viveram figuras importantes, verdadeiros símbolos do poder econômico concentrado sempre em mãos de uma elite enriquecida às custas do trabalho escravizado.

Em sua maioria, realizado nos engenhos e nas plantações de cana-de-açúcar, tabaco e mandioca da região.

6. Lavagem de Santo Amaro

Festa religiosa e profana que acontece sempre no último domingo do mês de janeiro. Uma tradição secular cujo propósito religioso é a limpeza das escadarias da Igreja de Nossa Senhora da Purificação. A atividade é realizada por baianas vestidas de branco, que utilizam água de cheiro no processo, perfumando o ambiente e todos os presentes.

A festa atrai milhares de pessoas, dentre habitantes da cidade e turistas, que se aglomeram ao som de muito samba de roda e bebidas alcoólicas, que iniciam o festejo profano logo após a famosa lavagem da escadaria.

7. Casa de Dona Canô

A famosa casa de número 179 da Rua do Amparo é conhecida como a Casa de Dona Canô e possui uma placa de sinalização como um monumento histórico de grande envergadura na cidade.

Foi para lá que a família Velloso se mudou quando Caetano tinha apenas 8 anos e o local onde ele e Maria Bethânia formaram suas personalidades. Após a morte de Dona Canô, a casa passou a ser administrada por Rodrigo Velloso, irmão mais velho de Caetano e Bethânia. 

Visitar este monumento símbolo de Santo Amaro da Purificação e conhecer um pouco da história dessa ilustre família brasileira é quase que parada obrigatória para quem viaja para lá.

8. Bembé do Mercado

O Bembé do Mercado é o maior candomblé de rua do mundo e acontece desde 1889, sempre no dia 13 de maio. Sua principal motivação é comemorar a abolição da escravatura, mas também fortalecer a resistência e a consciência negra.

O evento é tão relevante que se tornou Patrimônio Cultural do Brasil em 2019, título concedido pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, o IPHAN. Também é considerado Patrimônio Imaterial da Bahia desde 2012, por orientação do governo do estado da Bahia.

Trata-se de candomblé a céu aberto e a festa é também um culto às divindades das águas representadas por Iemanjá e Oxum. Neste dia, muitos devotos aproveitam para agradecer as bênçãos e pedir proteção.

9. Desfile da Cabocla no 2 de Julho

O Desfile da Cabocla, que acontece na data magna de 2 de Julho, percorre as ruas de Santo Amaro da Purificação rumo ao centro da cidade.

O evento homenageia os heróis da Independência do Brasil na Bahia e celebra o fato de Santo Amaro abrigar o primeiro documento que registra o posicionamento dos baianos em favor da Independência do Brasil. 

Tal fato ocorreu no dia 14 de junho de 1822, e por esta razão, Santo Amaro da Purificação recebeu o título de “Leal e Benemérita”. O evento conta com hasteamento da bandeira e sessão solene da Câmara de vereadores, além de milhares de pessoas nas ruas comemorando o 2 de Julho como a verdadeira data da Independência do Brasil.

Onde se hospedar em Santo Amaro da Purificação

Santo Amaro não possui uma grande variedade de hospedagens, mas destacamos uma opção bem estruturada para atender os turistas. É o Hotel da Purificação, localizado na Praça da Purificação, bem no centro de Santo Amaro.  

É uma hospedagem tradicional na cidade e oferece ótimos quartos com banheiro, além de um maravilhoso café da manhã. O hotel é bem integrado com a cultura local, principalmente com as festas tradicionais da cidade.

Onde comer em Santo Amaro da Purificação

Quanto ao quesito gastronomia, Santo Amaro da Purificação se destaca no Recôncavo Baiano, sendo a terra da “carne de fumeiro”, a “maniçoba”, e os maravilhosos pratos regados a dendê e pimenta, como o vatapá, o caruru e a moqueca. 

Uma boa opção é o Restaurante Sabor da Terra, que é super bem localizado e oferece um cardápio completo com todas as delícias de Santo Amaro da Purificação.

Para quem busca apreciar as iguarias mais famosas da Bahia, a Casa do Acarajé é parada obrigatória para saborear o “vatapá”, o “caruru”, o próprio “acarajé”, e de sobremesa, um delicioso “bolinho de estudante”.

Como chegar em Santo Amaro da Purificação

Santo Amaro da Purificação está a 80 quilômetros de Salvador e pode ser facilmente acessada de carro seguindo pela BR-324 e depois pela BR-420.

Para quem vai de ônibus, a empresa Cidade Sol oferece diversos horários ao longo do dia e à noite, saindo da Rodoviária de Salvador. A viagem dura aproximadamente 01:25 e acontece em ônibus de modelo convencional.

Uma outra alternativa bem mais confortável e também mais segura, é contratar um transfer, realizado em automóveis novos e climatizados e guiados por motoristas profissionais. Uma das vantagens do transfer, é que ele busca o turista no aeroporto de Salvador ou no hotel onde estiver hospedado.

Se você chegou até aqui e curtiu saber as principais informações sobre Santo Amaro da Purificação, conheça também Cachoeira, outra importante cidade do Recôncavo Baiano, juntas são partes de um enorme quebra-cabeças capaz de elucidar um pouco da rica história da colonização baiana.