
Postado dia 13/06/25 | 7min. de leitura
Acupe, Bahia: conheça as riquezas do lugar
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O povoado de Acupe na Bahia é uma verdadeira pérola cultural do Recôncavo Baiano e está localizado no município de Santo Amaro da Purificação. Com aproximadamente 8 mil habitantes, Acupe tem origem de quilombo, sendo, portanto, uma comunidade legitimamente quilombola e reconhecida como tal pela Fundação Cultural Palmares.

Um lugar riquíssimo em cultura, história e gastronomia, que preserva material e imaterialmente suas tradições de origem africana e indígena, sendo mais um destino baiano para o turismo de experiência.
Um pouco da história de Acupe, Bahia
O povoado de Acupe em Santo Amaro tem sua origem primeiramente nas comunidades indígenas que viviam por lá antes da colonização portuguesa.

Nos primórdios do séc. XVI, três engenhos de açúcar foram determinantes para a formação do povoado, o Engenho São Gonçalo, o Murundu e o Engenho Acupe. Por meio da presença deles, a região passou a receber africanos escravizados, a principal mão de obra para a produção do açúcar.
Em 1588, Mem de Sá se tornou proprietário da região via “foral de sesmaria” concedido pela Coroa. Segundo Alves e Severino, há relatos de que Acupe participou da Independência da Bahia, bem como da Revolta dos Malês, sendo um lugar estratégico de luta.
Durante os séculos de colonização e da plantation do açúcar, Acupe recebeu escravizados africanos para trabalhar em engenhos da região, como o São Gonçalo, o Acupe, o Murundu e o Santo Antônio de Patativa. Região cercada pelo mar da Baía de Todos os Santos e muitos manguezais, Acupe era propícia para pesca e mariscagem, que se tornaram a base de sobrevivência dos seus moradores descendentes de escravizados e indígenas.
Essa história de luta é hoje representada por diversas manifestações culturais que lá se encontram, a exemplo do “Nego Fugido”, que acontece desde o séc. XIX.
4 manifestações culturais de Acupe

Pela história deste povoado singular, é possível perceber sua riqueza cultural em diversas festas tradicionais. Uma lenda é a base de todas as manifestações culturais de Acupe, razão pela qual existem o Nego Fugido, as Caretas, os Mandus e os Bombachos do Acupe, e ela é mais ou menos assim:
Um senhor de engenho fracassado do Acupe Velho oferecia os escravizados mais rebeldes como oferenda. Porém, alguns sacerdotes pretos pegavam seus corpos e os enterravam no fundo da fazenda do senhor, plantando uma bananeira sobre cada cova para que seus espíritos não fossem para o orum (céu em iorubá). Assim, esses espíritos ficariam disponíveis para serem evocados em momentos de batalha.
Assim, iku (morte em iorubá) lança uma grande praga, causando a morte de muita gente no mês de agosto. Para combater tal praga, os sacerdotes se uniram e realizaram uma outra oferenda, pedindo que todo esse sofrimento acabasse.
Por essa razão, surgiram as manifestações que ocorrem um mês antes, com pessoas saindo às ruas vestidas de egunguns (espíritos evoluídos que retornam à terra em iorubá) durante o mês de julho, para que as mortes não ocorressem em agosto.
Essa é a explicação para as “aparições”, que representadas pelas manifestações culturais, ocorram nas ruas de Acupe no mês de julho, cujo intuito é limpar a praga trazida pelos colonizadores portugueses.
1. Nego Fugido
O Nego Fugido é uma das mais dramáticas e cênicas manifestações culturais da Bahia, e por que não dizer do Brasil? Nela, populares saem às ruas com os rostos pintados com carvão e óleo, os lábios avermelhados de papel crepom molhado e vestidos com saias produzidas com folhas secas de bananeira.

A encenação relembra a época da perseguição aos negros aquilombados realizada por capitães do mato e militares e de maneira muito real, dramatizam todo o processo de fuga, caça, captura e libertação de escravizados.
Tudo acontece ao som de atabaques e cânticos do candomblé, cujas letras remetem a África e fortalecem as lutas e resistência negra à escravidão. Vale muito a pena conhecer a Casa da Cultura Nego Fugido e lá, aprender um pouco mais sobre esta manifestação tão linda e peculiar.
2. Caretas de Acupe

As Caretas de Acupe também são conhecidas como Máscaras de Acupe, uma linda manifestação cultural que também tem sua origem no séc. XIX. Segundo a tradição, um senhor de engenho cruel um dia resolveu realizar um baile de máscaras. O que ele não esperava, é que os escravizados da sua senzala aparecessem na festa com suas máscaras.
Tais máscaras nada se pareciam com os modelos europeus presentes, eram assustadoras e rudes, tendo por finalidade assustar literalmente a nobreza presente. Por isso elas foram e são chamadas de caretas, as Caretas de Acupe.
Há uma outra explicação em que os escravizados também utilizavam tais máscaras para esconder suas identidades e fugir das autoridades coloniais. Assim, a manifestação das Caretas de Acupe é uma celebração genuína, que funde elementos folclóricos e religiosos em pleno mês de julho.
3. Mandus e Bombachos de Acupe

Os Mandus, que significam “coisa feia”, são personagens misteriosos do candomblé que surgem nas festas populares de julho em Acupe. Vestidos com lençóis brancos, coloridos e paletós, os personagens saem às ruas representando entidades que afastam os espíritos maus e atraem os bons, uma manifestação de purificação do povoado.
Uma outra explicação diz que Mandus e Bombachos eram duas crianças que nasceram com uma doença que desconfigurava o rosto. Para esconder a feiura, a mãe delas as vestiam com mantas, e quando elas saíam às ruas aterrorizavam todos que encontravam.
Diferente dos Mandus, os Bombachos são pessoas cobertas com lençóis coloridos dos pés à cabeça.
4. Burrinha

A Burrinha não faz parte das manifestações que ocorrem no mês de julho, e acontece na no dia 02 de fevereiro, na Novena de Nossa Senhora da Purificação, a padroeira de Acupe.
A Burrinha é encenada por uma pessoa que sai pelas ruas vestida com uma saia comprida, uma jaqueta de couro e montada em um burro feito de pau.
Mulheres vestidas de baianas seguem a Burrinha, dançando e dando barrigadas entre si e demais participantes. Acompanham o cortejo a banda, composta por um tocador de prato e pandeiro, um violeiro e um percussionista.
Acupe é tão rica culturalmente que ainda proporciona muitas outras manifestações em seu cotidiano e durante outras festas que acontecem ao longo do ano, a exemplo do carnaval. Uma vez por lá, é possível presenciar o precioso samba de roda, o maculelê e rodas que capoeira que acontecem a todo instante e em qualquer lugar do povoado.
O que fazer em Acupe
Além de manifestações e centros culturais, Acupe possui lindas praias, um belo porto pesqueiro e ótimos restaurantes onde se come maravilhosamente bem, especialmente os frutos-do-mar que chegam fresquinhos no dia a dia.

O Atelier das Artes Negras
O Atelier das Artes Negras é um espaço liderado pela artesã Nea Bulcão, mais conhecida no povoado como Tia Nea. Ela produz miniaturas de personagens culturais do Acupe, como o Nego Fugido, as Caretas, Os Mundos e Bombachos, a Burrinha, além de orixás, preto velho, dentre outras preciosidades da cultura local.
E o melhor, tudo isso disponível para compra, uma ótima maneira de levar para casa um pouco de todo aprendizado e emoções sentidas durante a estadia neste lugar tão precioso no interior da Bahia.
Porto de Acupe

Local bucólico do povoado e que mais parece sair de um livro de história sobre o Recôncavo Baiano, o Porto de Acupe é abarrotado de pequenas embarcações, especialmente as canoas tupinambá, a mais utilizada por lá.
Muito bom é estar no porto e acompanhar a saída e chegada de pescadores, sua rotina, conversar com eles e aprender um pouco sobre os tipos de pescados, mariscos, a maneira de realizar a pesca e a mariscagem, além de ouvir os “causos” típicos desses homens e mulheres do mar.
Praia de Itapema
A Praia de Itapema fica a aproximadamente 3 quilômetros de Acupe, seguindo pela BA-878.

Ela possui 4 quilômetros de extensão, com trechos bem urbanizados e boa infraestrutura de barracas de praia e orla pavimentada, e outros de praias desertas e repletas de coqueiros e manguezais.
É uma ótima opção de banho e natureza que vai agregar muito a toda vivência cultural que Acupe pode proporcionar. É também uma oportunidade de comer um peixinho frito na beira do mar.
Praia Salina
Salina é a praia de Acupe propriamente dita, e está localizada a poucos metros da Fazenda Oruabo - Bahia Pesca.
Muito frequentada pelas marisqueiras do povoado de Acupe, Salina possui mar calmo e oferece banhos maravilhosos em meio à natureza preservada e bela. É possível chegar até lá caminhando por aproximadamente 3 quilômetros de estrada de barro a partir do centro de Acupe.
Bar e Restaurante Porto de Acupe
Para comer bem pertinho da maré, está o Bar e Restaurante Porto de Acupe, que fica literalmente no porto. Um lugar simples como a comunidade, mas que oferece atendimento carinhoso e gastronomia típica, que somente os filhos da terra sabem fazer. Uma boa pedida é saborear qualquer moqueca que tiver no cardápio.
Se você chegou até aqui e se encantou com o povoado de Acupe na Bahia, conheça também a vizinha Saubara, mais uma cidade extraordinária para o turismo de experiência e que também proporciona belas praias às margens da Baía de Todos os Santos e do Rio Paraguaçu.
Por Márcio Vasconcelos de O. Torres
Historiador e viajante - marciotorresbb@gmail.com