
Postado dia 21/06/25 | 11min. de leitura
Canudos: história e memória no sertão da Bahia
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Canudos está localizada 413 quilômetros ao norte de Salvador, em uma região considerada agreste e dominada pelo bioma da caatinga. É o sertão baiano propriamente dito, terra consagrada como de longas secas, sofrimento histórico aos seus populares e também grandes atos de resistência à covardia imposta pelos detentores do poder.
Próxima do Vale do Rio São Francisco, que por si só oferece uma infinidade de possibilidades turísticas, a região também se destaca por suas belezas naturais, cultura riquíssima e ótimas atrações para quem busca o ecoturismo e o turismo de experiência.

Continue conosco e conheça um pouco sobre a história de Canudos, bem como suas principais atrações turísticas!
Canudos: palco de guerra ou genocídio?
A antiga Canudos foi fundada por Antônio Vicente Mendes Maciel (1830 –1897), um líder messiânico que vinha peregrinando pelos sertões nordestinos e que se fixou na antiga aldeia abandonada de Canudos, batizando-a com o nome de Belo Monte.
Conhecido como Antônio Conselheiro, em suas andanças pregava paz e promovia batizados, casamentos, novenas, além de construir e reparar igrejas e cemitérios pelo caminho.

Muito importante contextualizar que o sertão nordestino teve sua formação social tributada a grandes latifúndios de terras, doadas pela Coroa Portuguesa a colonizadores que contribuíram para o extermínio e genocídio indígena. Por tais conquistas, também recebiam patentes militares de Portugal, tornando-se as próprias autarquias da região.
Cansados de maus tratos e grande sofrimento imposto pela seca e pelos abusos de poder dos coronéis, muitos sertanejos foram atraídos à Belo Monte em razão das promessas de Antônio Conselheiro, que diziam respeito a uma sociedade igualitária e mais justa.
Em geral, eram caboclos, escravizados recém libertos e indígenas, que tornaram Belo Monte um povoado autossuficiente, tocando roças e rebanhos de maneira onde todos os produtos eram distribuídos entre todos. O povoado chegou a 25 mil habitantes e seu modelo comunitário se tornou uma afronta aos coronéis e aos governos baiano e brasileiro.
As três primeiras batalhas da Guerra de Canudos

Em 1896, Antônio Conselheiro resolveu enviar alguns homens à Juazeiro a fim de buscar madeiras para o telhado de uma das igrejas do povoado, já que as mesmas não foram entregues por falta de pessoal.
Tal ação foi interpretada maliciosamente como uma ameaça de invasão por parte do beato para saquear a cidade, o que prontamente se tornou um álibi para o governador Luiz Viana, que mandou a expedição de Pires Ferreira até Belo Monte.
Composta por 100 soldados, o batalhão tinha por objetivo destruir a povoação, mas foram aniquilados pelos conselheiristas no Arraial de Uauá, antes mesmo de chegarem a Belo Monte. Mesmo com um número maior de mortos, o povo de Belo Monte venceu em razão do conhecimento que tinha da caatinga, um grande trunfo utilizado contra os soldados. A partir de então, Belo Monte se tornara uma ameaça também à República.

Uma segunda expedição, constituída por 14 oficiais, 543 praças e 3 médicos, foi organizada em janeiro do ano seguinte e enviada para destruir a povoação de Antônio Conselheiro. Mais uma vez, a tropa foi vencida durante o deslocamento.
As armas dos militares mortos se tornaram um grande reforço dos conselheiristas contra a terceira expedição. Aproximadamente 1.300 homens que, liderados pelo Coronel do Exército Antônio Moreira César, foram também aniquilados em 1897.
O Governo Federal que deveria atuar em defesa do povo, sentiu-se humilhado com as seguidas derrotas e bradou o extermínio por completo de Belo Monte, seu Conselheiro e seguidores.
O genocídio em Belo Monte

O governo republicano organizou então a quarta expedição, composta por mais de 9 mil homens e a presença do Ministro da Guerra em Monte Santo, o Marechal Carlos Machado Bitencourt. A tropa constituía cerca de 50% de todo o exército brasileiro.
A batalha durou cerca de 4 meses e por pouco o exército não foi vencido pelos sertanejos, sendo salvo por um reforço que, para alguns pesquisadores, foi uma espécie de quinta expedição.
O povoado de Belo Monte foi cercado por 30 batalhões de infantaria do exército e 18 canhões, sendo suas 5.200 casas e população completamente destroçados, com o desfecho final da guerra ocorrendo em 05 de outubro de 1897.
Ao final, sobreviveram alguns idosos, mulheres e crianças, que mesmo com a bandeira branca em punho, foram cruelmente assassinados e degolados.
A segunda Canudos
Alguns poucos que, por indeterminada razão sobreviveram à guerra, fundaram no mesmo local do Belo Monte, um segundo povoado de nome Canudos.

Ele existiu até 1969, quando foi finalizada a obra da barragem e do açude Cocorobó. Explico: o presidente Getúlio Vargas visitou Canudos em 1940, propondo tal obra exatamente no local do antigo vilarejo. Em seu discurso, prometia abastecer com água toda a população da região.
Fica a pergunta: o que um Presidente fazia ali vindo de tão longe, com promessas de ajuda ao povo sertanejo, até então massacrado e abandonado pela República?
O que se viu na prática responde a esta indagação, com o açude cobrindo com água quase todos os vestígios das ruínas da guerra, ou seja, apagando a maior parte da memória física de Belo Monte, a Primeira Canudos.
Com certeza não foi por vergonha, tampouco benevolência. Para a população atual de Canudos e pesquisadores contemporâneos, a obra se deu muito mais como uma maneira de alterar o curso da história, algo que não havia sido possível em razão da forte resistência popular.

A terceira Canudos e a descendência conselheirista
As poucas ruínas que sobreviveram ao Açude Cocorobó hoje são conhecidas como Velha Canudos. Eventualmente, quando o açude baixa suas águas em razão de secas, os escombros reaparecem, sendo alvos de pesquisas arqueológicas e historiográficas.
Durante as obras da barragem e do açude, a população da Segunda Canudos migrou para a área de uma antiga fazenda conhecida como Cocorobó, a 20 quilômetros do povoado original. Ali se formou a vila que originou a cidade atual, conhecida como Terceira Canudos.
Canudos não morreu

“Cem anos depois, Canudos começa a brotar como a caatinga depois da chegada das chuvas. Como a algaroba, depois de podada, Canudos renasce por todas as partes do Brasil, especialmente no meio do povo Nordestino”.
Esta frase foi extraída do livro “Canudos: uma história de luta e resistência”, do Instituto Popular Memorial de Canudos (IPMC), e fala a respeito do retorno dos descendentes dos conselheiristas a Canudos oriundos de diversas partes do país.
Os relatos foram colhidos e estudados por meio da história oral, mantendo verdades sobre Antônio Conselheiro e seu povoado, amplamente distorcidas por narrativas lineares voltadas ao “heroísmo militar”.
O que fazer em Canudos: 7 atividades imperdíveis
Para os que buscam estudar a história in loco, Canudos é um “prato cheio”, especialmente por preservar viva a memória dos conselheiristas e os ensinamentos de Antônio Conselheiro.
Muitos descendentes da Guerra de Canudos vivem na cidade e costumam recontar a história original como ela aconteceu. Por isso, as primeiras atrações que cito abaixo dizem respeito à parte histórica e servem como um guia para os visitantes.
1. Visitar o Parque Estadual de Canudos

O Parque Estadual de Canudos é administrado pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB), que também possui um Campus Avançado na cidade e realiza um belo trabalho social à sua população.
Visitar o parque é uma grande oportunidade de mergulhar in loco na história da Guerra de Canudos, ou melhor, na história de Canudos, que é muito mais significativa do que a própria guerra.
Ele está situado em uma grande área de caatinga preservada e possui um espaço denominado Casa dos Saberes Conselheiristas, com diversas salas e corredores repletos de exposições fotográficas e memórias dos descendentes diretos dos conselheiristas. A Casa dos Saberes Conselheiristas também funciona como uma espécie de hospedaria para pesquisadores que desejarem ficar mais tempo no parque.
O parque em si é um museu a céu aberto e abriga diversos sítios arqueológicos, históricos e antropológicos. Ele é todo demarcado, de maneira que uma visita guiada vai percorrendo suas trilhas e visitando locais onde o guia narra os acontecimentos históricos.

Um espaço muito famoso é a exposição museográfica, onde painéis de vidro instalados na terra vermelha da caatinga e rodeados pela vegetação nativa, exibem fotografias dos descendentes de conselheiristas que mantiveram viva a verdadeira história de Canudos.
De forma geral, os visitantes poderão encontrar o Vale da Morte, cemitério de pessoas mortas na guerra; a Fazenda Velha, onde morreu o coronel Antônio Moreira César, líder da terceira expedição; o Alto do Mário; os Pelados; Acampamentos Militares e o Alto da Favela, local onde os conselheiristas escavaram trincheiras e cujo mirante permite que se veja parte das ruínas da Segunda Canudos, mergulhada nas águas do açude Cocorobó.
2. Conhecer a sede do Instituto Popular Memorial de Canudos (IPMC)

Em 1993, foi fundado o Instituto Popular Memorial de Canudos (IPMC), com o propósito de documentar e atualizar a história do Arraial de Belo Monte. Trata-se de uma instituição não governamental que se sustenta de doações dos sócios e de voluntariado.
Atualmente, a sede do IPMC possui uma capela onde está o antigo cruzeiro que Antônio Conselheiro ergueu ao chegar na área do Arraial de Belo Monte. Há também uma biblioteca disponível para visitação, consultas e leitura, além de um museu com peças do período da Guerra de Canudos.
O instituto prima por contar a história de Canudos pela perspectiva local, tendo como pilar o legado deixado pelos descendentes dos conselheiristas que sobreviveram à guerra. No espaço também é possível adquirir livros de autores locais e pesquisadores que desenvolveram seus trabalhos sobre o tema Canudos.
3. Ir à Museu Casa de Vó Izabel

Trata-se da casa onde viveu Vó Izabel e cuja sala foi transformada em museu por Paulo Régis, seu neto, idealizador e curador do espaço. O museu guarda tesouros que auxiliam a entender Canudos, como relatos de vivências e tradições locais, além de objetos e documentos que propagam a cultura conselheirista e mantém acesa a chama do povo sertanejo.
A Casa de Vó Izabel é parada obrigatória para quem vai a Canudos, uma casinha de caboclo cercada pela caatinga e que é a própria ambientação natural, cultural e histórica do antigo Arraial de Belo Monte, ou seja, a verdadeira essência de Canudos!
4. Conhecer o Memorial Antônio Conselheiro

O Memorial Antônio Conselheiro é parte do Campus Avançado da Universidade do Estado da Bahia (UNEB) em Canudos. No que tange o aspecto acadêmico, é um importante centro de excelência para o ensino, pesquisa e extensão, valores cultivados pela UNEB.
Seu foco é a preservação da memória e da história da Guerra de Canudos, abrigando museu histórico-arqueológico, exposições permanentes, biblioteca, laboratório de arqueologia, auditório para reuniões e eventos artísticos e culturais, além de sala de cinema e teatro.
Visitar o memorial é de suma importância para aprender ainda mais sobre a importante história deste lugar imprescindível para o país.
5. Visitar o Atelier Evaldo Artesão

O atelier funciona na casa de Evaldo, um escultor de mão cheia e cuja obra vem ganhando destaque no cenário nacional.
Seus trabalhos retratam muito a história de Canudos, com peças em madeira que remetem a personagens do antigo Arraial de Belo Monte, mas também a cultura sertaneja. Suas obras mais populares e requisitadas são esculturas de Antônio Conselheiro entalhadas em diversos tamanhos.
O espaço de Evaldo é super organizado, sendo o artista perfeccionista de tal maneira, que sequer se vê restos ou pó de madeira pelo chão.
E se você desejar adquirir uma peça dele, terá que entrar na fila, já que Evaldo não produz em série. Suas obras são feitas sem prazo e sob a mais genuína inspiração.
6. Ir até o Mirante de Canudos

O Mirante de Canudos, que também é conhecido como “Serra do Mirante” ou “Serra do Conselheiro”, é um lugar muito especial da cidade, já que é um dos pontos mais altos da região e de onde se tem uma vista maravilhosa.
O espaço foi construído em 1998 por meio de um convênio entre a prefeitura e o Ministério da Cultura, com o objetivo de preservar a memória histórica e cultural de Canudos.
Além da vista panorâmica da cidade de Canudos, do açude Cocorobó e das serras da região, o mirante exibe uma grande estátua de Antônio Conselheiro.
O local é frequentado pela população local e oferece um restaurante/bar que serve bebidas quentes e geladas, além de pratos típicos da gastronomia sertaneja. Há também a presença de chuveirões que refrescam os visitantes em dias ensolarados e de grande calor.
7. Fazer um passeio para o Raso da Catarina

O Raso da Catarina é uma ecorregião de 38.000 km² localizado entre Canudos, Paulo Afonso e Jeremoabo. O local é uma das regiões mais secas do Brasil e tem a caatinga como bioma predominante, mas também apresenta cânions secos e rios não permanentes, que se mantêm secos na maior parte do calendário anual.
Para quem está em Canudos, visitar o Raso da Catarina é um passeio imperdível, um lugar de paisagens genuínas onde se pode presenciar a extraordinária arara-azul-de-lear e adentrar ainda mais profundamente na cultura sertaneja.
Referência
INSTITUTO POPULAR MEMORIAL DE CANUDOS - IPMC. Canudos: uma história de luta e resistência. Canudos: Oxente, 2024.
Bibliografia
AZEVEDO, Paulo Ormindo David de. IPAC-BA: Inventário de Proteção do Acervo Cultural da Bahia. Salvador: Secretaria da Indústria e Comércio e Turismo. v.6. Monumentos e Sítios das Mesorregiões Nordeste - Vale Sanfranciscano e Extremo Oeste Baianos, 1975-2002. 7v.
BANDEIRA, Luiz Alberto Moniz. O feudo: a Casa da Torre de Garcia d’Ávila: da conquista dos sertões à Independência do Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000.
NASCIMENTO, José Gonçalves do. Canudos: uma vila florescente e rica. São Paulo: Lura Editorial, 2017.
VALÉRIA, Carla. O sertão virou mar. Salvador: Vernasce, 2024.
Onde se hospedar em Canudos

A cidade de Canudos é pequenina, mas oferece boas opções de hospedagem. Para quem busca instalações modernas e boa localização, o Hotel Os Sertões é uma excelente opção, com quartos espaçosos, bem equipados e climatizados. Ele está localizado logo na entrada da cidade.
Outra alternativa é a Pousada Pôr do Sol, instalada em um casarão ao lado da Serra do Cocorobó. O mirante do jardim é um dos mais bonitos cartões postais do sertão baiano, de onde se vê a serra e o açude do Cocorobó.
Ainda mais especial é assistir ao pôr do sol de lá, programa constante entre os turistas que visitam a cidade. A pousada oferece acomodações no melhor estilo hotel-fazenda e decoração de mobiliário antigo.
Onde comer em Canudos

No campo da gastronomia, a cidade também se destaca. A começar pelo ótimo Bar e Restaurante Prainha de Canudos, localizado no açude Cocorobó e dispondo de piscina, rampa de acesso à Prainha e uma cozinha especial que proporciona os principais pratos da região. Um lugar para passar o dia sossegado com a família.
Destaco também o Doce Mel Restaurante e Pizzaria, localizado na Av. Pres. Juscelino Kubitschek, a principal da cidade. O espaço oferece decoração estilosa, ambiente muito aconchegante, cardápio diversificado e uma ótima carta de vinhos. Um lugar para comer bem, seja no almoço ou no jantar.
Como chegar a Canudos
Para quem vai de ônibus, a empresa Rota possui dois horários em ônibus convencional: 06:00 e 09:00, para uma viagem de aproximadamente 8 horas. Oferece também o horário das 21:30 em ônibus executivo, sendo uma viagem de quase 7 horas de duração.
Para quem vai de carro próprio ou alugado, o percurso se dá pelas rodovias BR-324 e BR-116. Outra alternativa é ir de transfer, um meio de transporte super seguro e bem mais confortável, que pode sair do aeroporto de Salvador ou buscar o turista onde estiver hospedado.
Agora que já conhece bastante sobre Canudos, que tal se aprofundar ainda mais e ampliar sua viagem pelo sertão baiano? Conheça a cidade de Paulo Afonso, onde está uma das mais importantes hidrelétricas do Brasil e algumas das mais bonitas paisagens do Vale do Rio São Francisco.
Por Márcio Vasconcelos de O. Torres
Historiador e viajante - marciotorresbb@gmail.com